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Manuel Desviat
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Átopos
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María José Gil Bonmatí, Ana González Rodríguez, Ana Moreno, Ana Moro, Itzhak Levav, Pilar Nieto Degregori, María Eugenia Ruiz Velasco, Marta Sanz Amador, Rafael Sepúlveda.
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P. Amarante, J.M. Caldas Almeida, F. Colina, F. Chicharro, P.G. Delgado, M. Desviat, Domingo Alves, A. Fernández Liria, I. Levav, J. Mas Hesse, F. Pereña, B. Saraceno.
EDITA
Asociación Átopos, salud mental, comunidad y cultura
REALIZACIÓN E IMPRESIÓN
Lúa Ediciones 3.0 S.L.
WEB
Manuel Desviat
Ana Moreno

Galimbertti, Percy. Sonhos. Sobral, Sobral Gráfica e Editora, 2021

 

 

 

 

Franco Basaglia

 

Quando Basaglia esteve no Brasil, em 1979, visitou a Comunidade Terapêutica ENFANCE. Eu era médico Residente (R1), e fiz parte da grande roda na sala de “Reunião Geral” da Comunidade, onde recebemos ouvimos e trocamos emoções com Basaglia. 

 

Toda semana ocorriam várias reuniões de equipe (havia cinco equipes), e uma grande “Reunião Geral”, com a participação de todos os membros das cinco equipes, incluindo os supervisores de cada equipe e os fundadores e diretores da instituição.

 

As reuniões semanais de equipe eram de natureza acadêmica, em que se discutia a situação de cada paciente do grupo (“Supervisão Clínica”). Também havia uma reunião semanal para discutir as relações dos membros da equipe entre si, e alguma situação de caráter pessoal que podia ser levada por algum membro da equipe, que de alguma forma interferisse com seu trabalho e/ou com suas relações com os outros. Esta era a “Supervisão Sensitiva”.

 

Na descrição, ou caracterização dos tipos de comportamento dos pacientes, muitas vezes havia alguma referência em relação a algum sinal ou traço que tivesse sido percebido como uma atitude “sedutora”, o que era considerado como algo negativo, de maneira geral, pelos supervisores, e, portanto, por todos os outros que, hierarquicamente, estávamos em situação inferior, pois éramos aprendizes...

 

Pois bem, no dia da visita de Basaglia e na aglomeração da grande roda na sala de Reunião Geral, falou-se de várias coi175 sas: apresentou-se o projeto e a importância da Comunidade, como instituição pioneira na humanização da assistência e no trabalho multidisciplinar; e provavelmente houve a oportunidade de conversar sobre um caso clínico, talvez alguma situação de difícil manejo, quando surgiu a expressão: “sedutor” ou “sedutora”, como uma das características negativas do(a) paciente em questão. Para surpresa de todos, Basaglia pediu para explicar melhor isso, o que oportunizou que supervisores e outros membros da equipe enriquecessem os argumentos negativos em relação aos sedutores. E para maior surpresa de todos, Basaglia, depois de ouvir disse algo assim: “...mas como? A sedução é uma das coisas mais belas do mundo!”.

 

Ainda lembro um ar ou olhar de constrangimento em algumas pessoas presentes na reunião. Muitos anos depois, em um Congresso da ABRASME (Associação Brasileira de Saúde Mental), sentei em uma sala onde um dos oradores era Gabriel Figueiredo, que tinha sido meu professor/supervisor na Residência. Ao finalizar sua apresentação, Gabriel lembrou deste mesmo fato e o relatou para a plateia. Ele também tinha guardado bem este episódio. Talvez a lição seja: para que rotular ou fazer interpretações que apenas respondem ao hábito de utilizar os costumeiros jargões? A expressão traduttore, traditore pode se aplicar não apenas à situação de traduzir de uma língua falada/escrita, para outra língua falada/escrita, mas também à tradução/ interpretação que fazemos de gestos e outras manifestações comportamentais, e as caracterizamos como sintomas ou desvios, simplesmente porque já nos habituamos a fazer assim, porque alguém escreveu que assim é. Não é?